A força da discussão sobre a incidência do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras das reservas técnicas das seguradoras foi potencializada em junho de 2023, diante do julgamento de casos paradigmáticos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da definição da amplitude do conceito constitucional de faturamento (Tema Repercussão Geral nº 372 e RE 400.479/RJ).
A lógica aqui exposta propõe ao Fisco a adoção de postura “orçamentária” conservadora, e busca descredibilizar eventual pretensão destinada a modular os efeitos de provável resposta do Poder Judiciário contrária à tributação ora tratada.
Explica-se.
A redação original do artigo 195, I, da Constituição estabeleceu o “faturamento” como uma das fontes de financiamento da seguridade social.
Em 1998, a Lei nº 9.718 projetou a incidência do PIS e da Cofins sobre o “faturamento”, equiparado a “totalidade das receitas”.
Logo após, por meio da Emenda Constitucional nº 20/98, o Constituinte derivado inseriu a alínea “b” no inciso I do artigo 195 da Constituição para estabelecer a “receita”, ao lado do “faturamento”, como uma das fontes da seguridade social.
Em 2005, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da tributação da “totalidade das receitas”, diante da impossibilidade de a EC nº 20/98 “constitucionalizar” a Lei nº 9.718/98 (REs nºs 357.950, 390.840, 358.273, 346.084, 336.134).
Naquela oportunidade, a Corte Superior definiu que o “faturamento” representa o produto da venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços, mas o ministro Cezar Peluso (atualmente aposentado) inaugurou a interpretação de que o faturamento, embora não se confunda com a totalidade das receitas, expressa a ideia de receita típica da atividade empresarial.
A União, então, passou a tributar as “receitas operacionais” dos segmentos econômicos que não possuem como “core business” a venda de mercadorias e/ou a prestação de serviços, com especial enfoque aos segmentos financeiro e securitário.
A respeito do segmento securitário, a União mirou não só os prêmios de seguros, mas também as receitas financeiras das reservas técnicas, constituídas compulsoriamente pelas seguradoras para garantir a higidez do setor (artigo 84, “b”, do Decreto-Lei nº 73/66).
Em 2014, a Lei nº 12.973, com vigência a partir de janeiro de 2015, alterou a redação da Lei nº 9.718/98 para estabelecer a incidência do PIS e da Cofins sobre as “receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica”.
Em junho de 2023, o STF finalizou o julgamento de dois casos paradigmáticos que investigaram a amplitude do conceito de faturamento versado na redação original do artigo 195, I, da Constituição, tendo recaído especificamente sobre as relações jurídicas firmadas antes de janeiro de 2015.
No Tema 372 (RE 609.096/SP), o STF definiu que as instituições financeiras devem tributar as receitas brutas operacionais decorrentes da atividade empresarial típica.
No RE 400.479/RJ, o STF definiu que as seguradoras devem tributar “aquilo que cada empresa aufere em razão do exercício das atividades que lhe são próprias e típicas, enquanto lhe conferem propósito e razão de ser”, tal como consta do voto disponibilizado pelo Relator, ministro aposentado Cezar Peluso.
Vê-se, pois, que o contexto acima aparenta fragilizar a pretensão do Fisco de tributar as receitas financeiras das reservas técnicas (Solução de Consulta COSIT nº 83, de 2017).
Afinal, para o período anterior à vigência da Lei nº 12.973/14, existe clara diretriz jurisprudencial do STF autorizando a tributação das receitas provenientes do “core business” das seguradoras, ou seja, da venda de prêmios de seguros.
Já para o período posterior à vigência da Lei nº 12.973/14, o próprio texto legal restringe a incidência sobre as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica.
Ora, as receitas financeiras das reservas técnicas, que sequer provêm do desenvolvimento de atividade econômica/empresarial, a) não representam o “core business” das companhias, estando fora da amplitude de receita típica definida pelo STF, e b) assumem feição secundária e acessória, e não principal e predominante, estando fora da amplitude textual e normativa da Lei nº 12.973/14.
Em termos científicos, os fundamentos determinantes adotados pelo STF, assim como a literalidade do texto legal, seriam suficientes para solucionar a controvérsia.
Em termos práticos, políticos e históricos, diante da expressividade dos valores discutidos e da ausência de manifestação específica sobre o assunto pelas Cortes Superiores, é razoável esperar que o Fisco mantenha firme postura litigante.
Não é razoável, porém, anuir com futura pretensão de modulação dos efeitos de provável decisão judicial favorável às seguradoras. Aliás, expressiva parcela do mercado já judicializou a matéria, o que, em tese, deve ser suficiente para afastar eventual movimento do Fisco destinado a provocar a modulação.
A prudência norteou a União a estabelecer a obrigatoriedade de constituição de reservas técnicas pelas seguradoras. A mesma prudência é esperada da União para que não inclua em suas previsões orçamentárias a arrecadação do PIS e da Cofins calculados sobre as receitas financeiras das reservas técnicas.